terça-feira, 5 de junho de 2007

a era das promessas

vou contar pros meus leitores uma história real e perfeitamente decifrável, neste mês que é véspera do ocaso do presente blog.

nasci prematura, de 8 meses. mamãe disse que não pôde me segurar. foi parto normal e risonho (ela fazia yoga); saí pequeniníssima e magríssima, morena. depois do primeiro banho, fiquei loira. e a maíra primogênita loirinha olhava torto,olhava meio incomodado. nasci com catarata. falei minha primeira palavra aos 9 meses, e ela foi "luz!", acompanhada por dedo que mostrava lâmpada. apesar do olho direito como duplo fantasma, aprendi a ler sozinha, mas não sei com que idade. sei que antes de proferir minha primeira palavra lida – LINGUADO – aos 4 anos, já identificava palavras nas lombadas de livros moradores das prateleiras inferiores, sem saber que isso era ler. uma dessas dizia "O Linguado, de Günther Grass" e achei que grass fosse o nome da minha mãe (Graça), só que meio estranho (não me lembro se já entendia o que eram outras línguas). mas não foi daí que li (em voz alta) minha primeira palavra, foi de um pôster com fotos e nomes de peixes que havia perto da estante do telefone. só sei que tinha linguado e robalo, os outros não me lembro. hoje em dia penso que falei "linguado" em voz alta porque identifiquei a mesma palavra. mas, secretamente, acredito que foi porque gostei dela. um futuro promissor, sim senhor. anos depois, na pré-adolescência, li um conto de grimm sobre um pescador e sua mulher (Ilsebill). o pescador, ao ver a solha no anzol, atira-a de volta ao mar, ao que ela responde com uma oferta de alguma graça concedida. a mulher pede uma casa maior, e a tem no dia seguinte. todos os dias o pescador pega a tal solha e a manobra se repete: os pedidos de Ilsebill ficam cada vez mais ambiciosos (e o mar mais agitado) até que ela pede para ser dono do universo (assim mesmo, flexão masculina) e volta a ser uma pobre mulher de pescador. esse foi meu preferido do livro, que até guardei. em 2002 comecei um curso de leitura e produção de textos e fiz, como exercício, um conto ligeiramente inspirado nesse dos irmãos grimm, mas usei um linguado ao invés de solha. (opa) de fato, eu não sabia que linguado e solha são peixes da mesma espécie. descobri casualmente, ao conversar com alguém do nordeste. monomania aguçada, resolvi finalmente ler o tal "O Linguado, de Günther Grass" – ainda habitante das prateleiras de baixo (de outra estante) – e meu futuro promissor veio abaixo quando descobri que o tal alemão também gostou do conto de Grimm e escreveu o romance com a mesma idéia de efeito que o meu subserviente exercício de escritura. certo, certo, meu futuro promissor não caiu por causa disso, mas é uma história que justifica muitas referências ícticas que faço por aí, assim como outras coisas nesse campo lexical/semântico.

depois disso, houve modificações substanciais no meu exercício (que se chamou "O Rejunte das Águas") e ele foi publicado no jornalzinho da FAU e não traduzido e editado pela Nova Fronteira. também fiz outros exercícios literários, alguns deles disfarçadamente publicados aqui, mas estou numa pausa que já dura bem mais de um ano. assim acontece não só com minhas inclinações escriturísticas, mas também com todas as outras (abundantes) inclinações que tenho. já há quase um ano não produzo nada e nem registro nada (desmemória mesmo, eu que por muito tempo fui elefante), nenhuma promessa se concretizou. o linguado, sem saber, foi minha musa até agora. acho que (assim como meu pai, que só pinta peixes), talvez deva me desatrelar. ou isso não faz a menor diferença. sei que estou, salvo engano trágico, numa segunda era das promessas (ainda não realizadas, sublinhe-se), e assim escolho interpretar meu mergulho peterpânico que agora quero fazer emergir como um adulto (que EXISTE, SIM) promissor.

rock n'roll.

11 comentários:

Anônimo disse...

Maira. Lindíssimo texto !

Anônimo disse...

Il y a des adultes. On souhaitait seulemente qu'ils tout seraient des enfants comme tu.

Anônimo disse...

obrigada, carlos =~

iza, eu entendi, obrigada, mas por favor use um idioma que não seja FEIO, PEDANTE E RESPONSÁVEL PELO PESSIMISMO INTELECTUAL OCIDENTAL.
grata.
=***

Anônimo disse...

hahahahahahaHAHAHAHAHA

é um idioma bom o suficiente pra vc?
=)

Nostromo disse...

O linguado é então como a escada de Wittgenstein. Você precisou da escada, mas agora precisa abandoná-la para atravessar a porta por onde ela não passa. Um dia, quando você voltar, depois de ir aonde tem ir, a escada estará à sua espera (se você não deixar que a roubem).
Aguardo ansiosamente lhe ver do outro lado da porta:)

Anônimo disse...

também aguardo ansiosa, e encantada =*

Nitram disse...

Belíssimo post, bravo!!! Vc devia publicar essas coisas :))
Só discordo quanto ao francês... não acho feio, nem tampouco responsável por qq coisa... mas um pouco pedante de fato, vá lá.
Ah, que pedante eu, enfiando o nariz em piadas internas alheias... rs.

Anônimo disse...

obrigada pelos comentários, pessoal =~

até o seu, nessa língua afetadinha, iza.

=*

Sandman of the Endless disse...

Rsss... Você é D+, Maíra... ;)))

Anônimo disse...

houveram?

Anônimo disse...

obrigada, correção feita!

não precisa postar correções como anônimo: não fico brava, mas agradecida.

=)