nas bordas da boca, as palavras quase cessavam. já se iam a despedir, talvez impelidas pela forte pressão de um emaranhado que subia sem mais barreiras. e era esse o argumento, o que não se sabe se perdido ou ainda quase encontrado.
era o emaranhado de reconhecimento a emergir quando não mais se precisaria de argumentos, quando as bordas já eram portas abertas, e soavam como despedida.
foi aí, ainda na segurança dos lábios, que aconteceu o discurso amoroso final, de um fim entre muitos possíveis, com augúrios de muitos começos também possíveis. e esse discurso não veio mais em forma de jatos de palavras, mas veio em forma de nu, sem proteção, possivelmente muito parecido ao que era quando nasceu.
e refletia luz. e arrancava vestígios corporais. e introduzia contato ritmado. e entregava presentes. e também os olhares mais mortificantes de que se teve notícia. sim, era o discurso mais bonito de que se teve notícia.
...e agora só me resta repetir aqui algo que diz isso muito melhor, paul celan mais uma vez:
ELOGIO DA DISTÂNCIA
Na fonte dos seus olhos,
vivem redes de pescadores de um mar demente.
Na fonte dos seus olhos,
O mar mantém sua promessa.
Aqui lanço,
coração que viveu entre os homens,
minhas vestes, e o brilho de um juramento:
Mais negro em meio ao negro, mais estou nu.
Somente renegado sou fiel.
Eu sou você quando eu sou eu.
Na fonte dos seus olhos
derivo e sonho com o saque.
uma rede prendeu-se a outra rede:
separamo-nos envolvidos.
Na fonte dos seus olhos
um enforcado estrangula a corda.
Trad. Adalberto Müller
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007
intermezzo
ouvi dizer que as horas que precedem um suicídio revelam momentos de extremo egocentrismo. o que é o exato contrário de uma crença putativa em que os pré-suicidas, nos seus últimos atos banais, são cheios de compaixão e interesse pelo Outro.
antes de deliberadamente incorrer em 'pequenos' suicídios, tais como: mudar de carreira, terminar um relacionamento, sair da casa dos pais, perceber um erro e tomar providências, enfim, todas essas coisas que se realizam como transfigurações pessoais, hão de existir interessantes momentos elusivos, difíceis de capturar e classificar.
pessoalmente, acho que essa zona cinzenta entre a tomada de decisão, o preparo da cena e o ato, não comporta nenhum dos dois extremos mencionados. acho que até naqueles mais auto-centrados, é muito possível que se desperte um sentimento misto, sem fronteiras precisas, que até sufoca, de que aquele gesto é em benefício geral.
penso isso porque o gosto do depois, os vestígios do que se fez, pra mim recendem a, citando o post abaixo, peito aberto espalhado.
por isso, este post está assim, entre dois outros dedicados talvez com má pontaria, porém dedicados.
antes de deliberadamente incorrer em 'pequenos' suicídios, tais como: mudar de carreira, terminar um relacionamento, sair da casa dos pais, perceber um erro e tomar providências, enfim, todas essas coisas que se realizam como transfigurações pessoais, hão de existir interessantes momentos elusivos, difíceis de capturar e classificar.
pessoalmente, acho que essa zona cinzenta entre a tomada de decisão, o preparo da cena e o ato, não comporta nenhum dos dois extremos mencionados. acho que até naqueles mais auto-centrados, é muito possível que se desperte um sentimento misto, sem fronteiras precisas, que até sufoca, de que aquele gesto é em benefício geral.
penso isso porque o gosto do depois, os vestígios do que se fez, pra mim recendem a, citando o post abaixo, peito aberto espalhado.
por isso, este post está assim, entre dois outros dedicados talvez com má pontaria, porém dedicados.
quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007
desargumento
metade do mundo se desentendeu da outra metade. ninguém sabe ao certo quem começou, e essa atribuição muda a cada momento da luta. sim, uma espécie de guerra deflagrou-se, curta, dolorida e lancinante.
metade do mundo desaprendeu como funciona a outra metade. nenhuma das duas sabia mais a língua da outra. não sabiam nem se era a mesma, se esqueceram até de palavras cordiais protocolares.
metade do mundo e a outra metade, cada qual, ficaram distantes.
mas eis que uma das metades, não se sabe qual, começou a reconhecer algumas coisas. sua memória resgatou pedaços, sufixos, alguns radicais. e com isso ela tentou até criar uma nova língua, pois percebeu que queria falar à outra metade.
as duas metades, assim, juntando pedaços: o momento de reconhecer é sempre uma tragada de ar, uma descida para cima. ascender pela baixa de guarda. quando se avivam gestos, fragmentos, reações, e assim se resgata a outra metade.
são duas sim, mas cambiantes, tão passíveis de serem integradas, que é difícil separar claramente. pela língua, fácil, mas na verdade, impossível. é só impossível.
um, dois, chuva com sol... o fininho do choro já se escutando lá longe. vontade de cirurgicamente espalhar o peito. um, dois.
metade do mundo desaprendeu como funciona a outra metade. nenhuma das duas sabia mais a língua da outra. não sabiam nem se era a mesma, se esqueceram até de palavras cordiais protocolares.
metade do mundo e a outra metade, cada qual, ficaram distantes.
mas eis que uma das metades, não se sabe qual, começou a reconhecer algumas coisas. sua memória resgatou pedaços, sufixos, alguns radicais. e com isso ela tentou até criar uma nova língua, pois percebeu que queria falar à outra metade.
as duas metades, assim, juntando pedaços: o momento de reconhecer é sempre uma tragada de ar, uma descida para cima. ascender pela baixa de guarda. quando se avivam gestos, fragmentos, reações, e assim se resgata a outra metade.
são duas sim, mas cambiantes, tão passíveis de serem integradas, que é difícil separar claramente. pela língua, fácil, mas na verdade, impossível. é só impossível.
um, dois, chuva com sol... o fininho do choro já se escutando lá longe. vontade de cirurgicamente espalhar o peito. um, dois.
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007
one way street
estou aqui passando tempo e segurando as 'pontas' enquanto não há lugar para fazer pipi aqui em casa.
vou dividir com vocês essa situação engraçada...
hoje os operários da reforma estão pintando as esquadrias das janelas. em toda janela da casa há um homem (do lado de fora). inclusive nas dos banheiros... pra quem nunca veio aqui, uma explicação: os banheiros têm janelas iguais às do resto da casa, com esquadrias quadradinhas que seguram vidros quadrados também ('retangulares', o diabinho da consciência diz). os vidros dos banheiros são, no entanto, texturizados, e então ninguém vai ver os outros sentados no pote, isso sem dúvida. mas, enquanto pintam, as janelas ficam abertas. portanto, nada feito, sem lugar pra fazer um pips. e o banheiro lá da área de serviço está sendo usado pela nossa secretária que se prepara para sair.
outro dia desses fiquei sem graça de tomar banho, porque, mesmo com o vidro texturizado, quando tem gente passando em frente à janela o tempo todo, eu sempre me pergunto se não vêem pelo menos uma silhueta. e aí fico com vergonha. por isso demorei pra sair de casa, não me lembro da ocasião.
enfim, é só isso, não tem fim da história, é que preciso fazer pipi!!!
p.s. one way street é uma música do mark lanegan bem legal que estava tocando quando comecei a escrever o post.
vou dividir com vocês essa situação engraçada...
hoje os operários da reforma estão pintando as esquadrias das janelas. em toda janela da casa há um homem (do lado de fora). inclusive nas dos banheiros... pra quem nunca veio aqui, uma explicação: os banheiros têm janelas iguais às do resto da casa, com esquadrias quadradinhas que seguram vidros quadrados também ('retangulares', o diabinho da consciência diz). os vidros dos banheiros são, no entanto, texturizados, e então ninguém vai ver os outros sentados no pote, isso sem dúvida. mas, enquanto pintam, as janelas ficam abertas. portanto, nada feito, sem lugar pra fazer um pips. e o banheiro lá da área de serviço está sendo usado pela nossa secretária que se prepara para sair.
outro dia desses fiquei sem graça de tomar banho, porque, mesmo com o vidro texturizado, quando tem gente passando em frente à janela o tempo todo, eu sempre me pergunto se não vêem pelo menos uma silhueta. e aí fico com vergonha. por isso demorei pra sair de casa, não me lembro da ocasião.
enfim, é só isso, não tem fim da história, é que preciso fazer pipi!!!
p.s. one way street é uma música do mark lanegan bem legal que estava tocando quando comecei a escrever o post.
quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007
tchau, natural
antes de tudo, queria expressar minha alegria pela repercussão do último post. é tão legal ter gente comentando! rs... obrigada, queridos.
enfim... os comentários acabaram pedindo outro post. de fato tenho mania de sempre tentar levar minhas pseudoteorias para o lado do que é natural. mas é pretensioso isso, quem sabe o que é natural? natural não é qualquer coisa que aconteceu ou acontece? enfim, achei por bem corrigir esses argumentos ao dizer que quando escrevo natural, deveria significar algo como 'utópico' ou simplesmente expressar que aquilo, pra mim, parece bom, parece do bem mesmo.
é, vou precisar reformular muita coisa. mas isso é bom, significa atividade, hehe.
sim, acho bom. =)
enfim... os comentários acabaram pedindo outro post. de fato tenho mania de sempre tentar levar minhas pseudoteorias para o lado do que é natural. mas é pretensioso isso, quem sabe o que é natural? natural não é qualquer coisa que aconteceu ou acontece? enfim, achei por bem corrigir esses argumentos ao dizer que quando escrevo natural, deveria significar algo como 'utópico' ou simplesmente expressar que aquilo, pra mim, parece bom, parece do bem mesmo.
é, vou precisar reformular muita coisa. mas isso é bom, significa atividade, hehe.
sim, acho bom. =)
Assinar:
Postagens (Atom)