hoje pensei naquele livro que (acho) já comentei aqui: 'o espírito da intimidade', de uma moça do burkina faso chamada sobonfu somé.
pensei em como se poderia aplicar o que ela conta na vida ocidental. lembrei de uma nota que tomei daquele outro livro que (acho) já comentei, 'ecopsychology', que dizia que a psicologia considera saudáveis os que tendem cada vez mais ao individualismo, à satisfação relacionada a um conceito sólido de si e um modo de vida que afirma características que (acreditam) são individuais. me parece, pelo livro da sobonfu, que no mundo oriental (não-ocidentalizado incorrigivelmente) isso nem sempre se aplica, do contrário, saudáveis são os que tendem ao comunalismo, ao senso de ser parte e não exatamente todo, pra usar termos grosseiros.
quando alguém na tribo dagara tem um problema pessoal, toda a comunidade é envolvida na resolução. há, sim, uma espécie de círculo feito para o trabalho individual da questão (ou do par, caso seja conjugal), mas é uma etapa tão importante quanto o levantamento de pontos de vista e de energias vindos de outros membros do grupo maior.
ninguém que lê ou escreve isto aqui é capaz de viver isolado. nem tampouco de desenvolver um relacionamento (seja familiar ou conjugal ou de amizade) em que só estejam envolvidos os dois. já sofri bastante a perda de família de ex-namorados, de amigos, de práticas sociais e etc. isso é só um exemplo claro e crasso de como as coisas andam mescladas mesmo. talvez seja um indício de que resolução de problemas pode ser uma tarefa melhor executada em conjunto.
as pessoas vivem por aí se entorpecendo de bens de consumo, relacionamentos convenientes, sentimentos de posse, superfícies opacas em geral. (pra quem tem vontade de fazer um comentário do tipo 'não ponha a culpa nos sapatos': não é isso, vai, você entende) todas essas coisas têm um fator subterrâneo forte: o individualismo. já escrevi sobre isso aqui (olha a indignação, é grande), sobre como se diz 'eu te amo' e logo depois se castra a outra pessoa de modo a ajustá-la ao gosto pessoal. e esse 'gosto pessoal', saliente-se, em geral não é GOSTO, mas sim vontade de escutar agrados, de receber mimos, de criar uma zona de conforto, enfim, que faça o fantasma de um possível sentimento existencial ir embora. individualismo, na minha (não-apegada) opinião.
o que se faz por dinheiro também segue a mesma lógica, o entorpecimento de sensações e pensamentos existenciais, ou questionadores, ou quem sabe até niilistas, ou mesmo edificantes demais (sim, perda de ego), humanistas demais. essas últimas são coisas em desuso, é patente: brega ser bonzinho, sinal de fraqueza ser afetuoso, coisa de mulherzinha (mulherzinha, veja bem... essa foi pra você, iza =*). o campo semântico considerado feminino suprimido de homens e mulheres: percepção, intuição, afeto, solidariedade, honestidade, e por aí vai.
que medo é esse???
medo de perder o ego?
bah, eu não sei bem, mas quem sabe praticar mais qualquer questionamento ou instrumento de resolução de conflitos em grupo parece ser uma boa, sim. não precisa fazer isso com qualquer um, mas existem formas de comunidade dentro do nosso mundo panaceico sim, grupos de amigos com muitas coisas em comum, por exemplo. como adoraria se pudesse escrever e fazer mágica logo depois, criar uma nuvem contaminosa de proatividade que induza as pessoas ao sentimento comunal, a não boicotar aquilo que parece ser inerente à natureza, o sistema auto-organizado dinâmico, auto-regulador... que se (eu pelo menos) fosse personificar diria que deve ser confiante.
domingo, 28 de janeiro de 2007
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11 comentários:
valeu, Maíra. Sempre me sinto lisonjeada quando me citam em posts =)
o valeu é pela idéia geral, não por ter me citado. Quer dizer, também. Ah, c entendeu.
Belo post, Maíra. Meu único medo é o seguinte: temos uma tendência natural a nos agruparmos, e agir de forma que sustente a existência do grupo, a proteger seus membros, mas também temos uma tendência natural de tomar os grupos que não são os nossos como grupos inimigos (e seus membros como inimigos). Em geral, o sentimento comunal não leva a uma vida pacífica, mas ao conflito. Esse é meu medo.
Chamar tendências de naturais é complicado, levando em consideração que temos um tendência natural para querer fazer cocô mas aprendemos a fazê-lo apenas no banheiro.
E o problema não é o conflito, mas como encará-lo.
Por isso que eu digo: valeu, Maíra, ecofeminism rulez.
Que bom que tenho comentadores para me mostrar os outros lados dos posts. De fato, concordo com os dois. Tenho sempre uma certa ingenuidade ao tratar questões da vida de verdade (ou seja, questões que não são textuais). Como será que se resolvem esses conflitos entre grupos? Talvez pensando nos grupos como indivíduos e assim tentando aplicar o mesmo princípio, somente em questões não exatamente 'pessoais'? Não sei mesmo!
Verdade que chamar tendências de naturais é complicado... penso que faço sem perceber, por razões instrumentais, talvez numa espécie de ação afirmativa. Iza, você conhece mais pessoas que estudam ecofeminismo? Acho que gostaria de me engajar mais. =)
Beijocas aos dois comentadores e obrigada por ler tudo! Hehe...
Maíra, se você tiver interesse em questões como qual é o papel dos grupos na formação de nossa identidade, eu recomendo este artigo, de Judith Harris: www.apa.org/journals/features/rev1023458.pdf . Segundo ela, o papel dos grupos é muito maior do que o que se pensava.
Beijo!
Ma, estou sem celular entao espero manter contato por aqui. Hoje a tarde nao posso ir ao cinema porque vou trabalhar. Entao bom filme pra voce, ah e eu gostei do post! Depois a gente se ve, parece que na casa da Sara vai ser amanha. Pode? Um beijo.
Bruna
André... baixei o texto, vou ler assim que der. Obrigada =)
Bruna... pode ser amanhã sim, por mim. =)
Acabei não indo ao cinema agora à tarde, várias coisas pra fazer... Besitos.
Vou dar uma pesquisada em bibliografia ecofeminista e te respondo ;)
Maira, nao vai ter nada na Sara essa semana, resolvemos fazer algo nosso na semana que vem porque teremos mais tempo de planejar! amore.
Bruna
Nó, pirei no texto seus.
Vamos aos comentários e às opiniões dos coleguinhas: não acho que exista nenhuma tendência natural de tomar um grupo que não o seu como o inimígo. Um encontro aleatório de grupos distintos pode gerar reações aleatórias, incluindo hostilização.
Entretanto, não acho que estar em grupo, na amplitude que o texto atinge, é necessariamente tão natural (que palavra ingrata). Podem existir tantas formas de funcionar em grupo quanto possibilidades de personalidades de seres humanos...valorizar questões pessoais, nóias, em detrimento ao grupo é, portanto, uma das formas de se relacionar em grupo (mas, na boa, acho isso uma bosta). Não posso negar que me fascino utópicamente com um mundo que funcione no coletivo, não nas aparências; na autênticidade, não no plástivo; e também que não posso negar que esse é o mesmo tipo de admiração que prende o histérico ao "pervertido de verdade" =D
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