quarta-feira, 5 de janeiro de 2005

dear abby,

Provavelmente não tenho o direito de escrever assim. Perdoe meu excesso, é coisa de quem nunca escreve sem vaidade. Parece que muitas coisas são movidas a vaidade. É difícil, acho, até mesmo saber onde começa e termina a vaidade. Ou ela camufla-se de sentimento ou não faz muita diferença. Poderia pensar sempre que o que vale é a presença. O fenômeno e não a "verdade". Provável que não haja verdade nas emoções. Quem inventou verdade foi a razão, inventada para suportar a emoção. Nesse caso não se pode ignorar a razão também. Ela participa do fenômeno. Tanto que esta "carta" existe. O que aparece mais, o texto ou o motor dele? O texto. Ele é o próprio motor. Escrevo para escrever. Não quero alcançar nada que não seja um texto. Agora praticamente sou um texto. Leia, ele pode alcançar-te como não mais que um texto. Qualquer outra coisa é criação sua, razão. Mas por ser uma espécie de carta, posso ter que admitir mais do que texto. Uma nuvem de vapor difuso, sem verdades ou inverdades, sem carga para que seja classificado. Um monte de coisas sem contraste, piscam e apagam, já fiz isso muitas vezes. É sempre igual por sempre ser diferente. Uma cultura proliferando-se sem controle, sem meio até, só ela escapando. Sem alcance. Com todo o universo ao mesmo tempo. A coisa vai inevitavelmente para esse lado. Do universo. Sabia que de fato o texto está sendo composto à mão, caneta, papel e madrugada? De pequenas pistas de fluxos mentais, palavras já conhecidas, arquétipos pessoais. Não tenho o direito de ir além. Ser prosaico é um bem, recolher-se. Querer segurar o instante, não funciona. Talvez nem no texto. Tenho dificuldade em aceitar a evolução das coisas, quero sempre dinamismo inoculado, coágulo de fluxos, fotos. Progresso pessoal feito de inúmeros coágulos. Vou dar um e vários sorrisos, comemorar o texto, abraçar seja lá o que.

Não é hora ainda de parar, ainda reajo, não mudou a cor. Talvez tenha voltado só para dizer que a ponta do fio está desencapada e que finalmente estou começando a achar isto engraçado. Usar metáforas ao invés de pura evasão, o que é isso? Não respondo, não faz mal, estou com sono. Agradeço. Rezo para pessoas como eu, não muito para o céu, um tanto mais para a própria reza. Peço às pessoas em minha reza para que olhem por mim e por si mesmas e para que tenham paciência. Peço a mim que busque paz e não se esqueça de diversificar. De ser abrangente. Pegue a caneta. Feche os olhos. Abra antes de ser levada. Desligue até o último aparelho com estática. Deixe a luz necessária para o texto. Escute a chuva. Faça planos para amanhã. Deseje bem às pessoas queridas. Dê adeus ao texto, diga que é soprado que nem cola; um texto de recomendação, agradecimento, presença ainda que pontual, amor incondicional.

4 comentários:

Anônimo disse...

posso postar isso no aterro? com os devidos créditos?

marco

Anônimo disse...

Pode, claro. É uma honra ser digna do aterro =)

Anônimo disse...

:0

lindo texto dear abby!

Anônimo disse...

dear margot,

o azul me persegue em luas minguantes nascendo à linha dos meus olhos. no começo achei que era uma cidade, alaranjada, iluminada à noite e vista lá do alto. mas era a lua, e meus olhos eram atraídos a ela como ímã. e as memórias de la luna também eram fixas, as memórias de orion eram fixas, as memórias de uma américa melancólica numa voz de adulto-garoto eram fixas. america.

falando em cidades vistas do alto, uma delas, pasmem, parecia um daqueles símbolos auto explicativos, como chamam mesmo? acho que eles me perseguem em aeroportos, escadas rolantes, portas de banheiro, elevadores, no botão de chamar a comissária de bordo, e até como cidade iluminada no meio da escuridão do que se convencionou chamar sertão. ser tão paranóico assim talvez não ajude, e muito menos fazer jogos de palavras tão infames. os jogos, e não as palavras, ou talvez ambos.

sua transmutação em texto me chegou aos olhos como neblina. sublime, subliminar. só para não perder o costume. meus dedos travam numa tentativa de resposta, páram em fotos, inóculos, coágulos, aqueles momentos compartilhados em que acreditamos. trouxe você transmutada em fótons na minha caixa preta. e vou deixar você ali, com o vento soprando no rosto, com o azul que me persegue, com segredos cabeludos, classificações taxonômicas, mas não dou adeus. ainda não.