terça-feira, 19 de junho de 2007

love that loves the love that loves to love

If I ventured in the slipstream
Between the viaducts of your dreams
Where the mobile steel rims crack
And the ditch and the backroads stop
Could you find me
Would you kiss my eyes
And lay me down
In silence easy
To be born again

Van Morrison, Astral Weeks

o andré, dono do blog silence and sound (como nostromo na lista ao lado), me indicou um artigo de lester bangs, de 1979, sobre o astral weeks do van morrison. um dos parágrafos fala sobre a letra de madame george (belíssima música), e me chamou atenção pois diz que as pessoas se amam pela decadência, pela humanidade em comum. uma idéia simples e cheia de poréns, mas que me fez pensar em algo importante sobre meu tema-terminal deste blog, "sair do armário".

durante muito tempo fiz um esforço descomunal e vergonhoso para ser a namorada ideal, para atrair as pessoas por ser uma espécie de mulher maravilha. aquela que não cobra, não fala mal dos homens, não tem frescuras, está sempre alegre e bem-disposta, topa tudo, é companheira, e por aí vai. mas a verdade é que enganei a mim mesma, além dos outros. e ser assim não atraiu ninguém verdadeiramente. desde que comecei a me sentir impelida a fazê-lo, tive relacionamentos nos quais o outro me quis por achar que deveria querer uma pessoa tão cheia de qualidades, mas não porque de fato QUIS. pitagoricamente, o semelhante só é conhecido pelo semelhante... pois sim, um dos meus maiores dramas atuais é não me ser semelhante. é ainda agir sob o efeito de resíduos desse cacoete social. meus piores anos, em retrospectiva, foram aqueles nos quais aprendi essa manobra: agradar ao máximo aqueles que supostamente viviam algo que eu considerava um objetivo, agindo como eles. minhas inclinações não eram fingimento, mas o que eu fazia delas, sim, um bocado. e só agora me vejo de fato começando a atividade propriamente dita dessas inclinações.

escrevo isto no blog, assim exposto, porque terapeuticamente preciso saber expor e admitir falhas. inclusive as enormes. ter vivido na superfície das coisas por anos me envergonha e me faz pensar que ninguém poderá gostar de mim se souber disso. mas não é verdade. essa é a boa nova. a maioria das pessoas faz, em alguma medida, o que eu fiz, e morre sem perceber. fiz bastante esforço para mostrar a superfície dos meus interesses (exemplo: checklist de gostos literários, musicais, etc) e acabei sobrepujando o que estava por baixo, que é honesto, interessante e bem mais pessoal. de acesso mais difícil, mais restrito, mas isso não é bom?

enfim, vivo agora a rebordosa dessa confusão. a constante dúvida (estou demorando um absurdo pra terminar este post) entre mostrar ou não. não saber ao certo se é muito ruim ou pouco ruim ter feito o que fiz. o horror de vergonha ao lembrar de comportamentos, coisas ditas, palavras atropeladas, ansiedades e reações precipitadas. se o que lester disse tem algo de verdade, alguém há de achar bonito todas essas labirínticas empreitadas sociais e emocionais, toda a raiva e o amor desprendidos no processo. sim, porque saberá, acredito, reconhecer os mínimos sinais. será alfabetizado por reconhecimento no vocabulário maírico e terá uma criatividade caracteristicamente humana em juntar as peças de forma, possivelmente, ainda mais bonita que a original.

8 comentários:

Sandman of the Endless disse...

Maíra,
Tocou-me profundamente o que você escreveu. Muito. Me fez pensar, refletir, reviver momentos já passados e que estavam escondidos lá atrás, no fundo. Momentos que, na verdade, eu mesmo escondi e preferiria que permanecessem incógnitos, mas que vez ou outra inevitavelmente vêm à tona, como agora. Como você disse, "a maioria das pessoas faz, em alguma medida, o que" você fez. Não é nada fácil a gente fazer essa autocrítica e tentar mudar. Pelos traumas deixados, é possível que o mudar seja o mais difícil nesse processo. Aliás, como você percebeu, quando a névoa se dissipa a dúvida é sim constante. Mas acho que não devemos nos acovardar, porque ao final queremos e podemos fazer melhor do que outrora fizemos. De algum modo, e em muitos aspectos, esta é a nossa sina. :-/

Anônimo disse...

Que bom, acho que falta às pessoas perceber o quanto vivem na superfície. Se atingi alguém com este post, voilá, justificado está.

Anônimo disse...

eu já acho lindo as empreitadas =**

Nostromo disse...

Ainda náo havia reparado nesta passagem do Lester, Maíra. E como ele está certo. Em Hamlet, Polonius também estava certo quando disse: "This above all: to thine own self be true, and it must follow, as the night the day, thou canst not then be false to any man."
But it's so hard, baby, it's so hard so hard.
:*

Anônimo disse...

bacini, bacini!

Sandman of the Endless disse...

Justificadíssimo! ;)

Nostromo disse...

São e salvo, quentinho e seco, no topo de minha colina:)
:*os

Anônimo disse...

to be born again.
;*